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As pessoas pensam o que são levadas a pensar
A nossa ignorância é planeada por uma grande sabedoria
- Raúl Scalabrini Ortiz

"O poder da imprensa é fundamental. Estabelece a agenda do debate público. É um poder político esmagador que não pode ser controlado por nenhuma lei. Determina o que as pessoas falam e pensam com uma autoridade reservada, nalgumas partes do mundo, apenas a tiranos, sumos sacerdotes e mandarins", afirmou Theodore White na década de 1960.


Isto pressupõe que uma boa parte das pessoas lê. Mas sabemos que, cada vez mais, a tendência é para não ler, em todo o mundo. As mensagens audiovisuais foram entronizadas; tudo é imagem, rápido, intermitente, pouco texto, muita cor, movimento, acção. E isso tem mais poder de penetração, muito mais do que Th. White assinalou há 60 anos, quando as pessoas liam mais.


Esta tendência actual veio claramente para ficar. Não há volta a dar. É um facto cultural, civilizacional, no sentido mais lato. De acordo com o que começamos a constatar, um número considerável de jovens - fenómeno que se verifica em maior ou menor grau em todo o mundo, com variações consoante os diferentes países, mas todos, em geral, com notas bastante comuns - já não consegue conceber a vida sem estas tecnologias (os chamados nómadas digitais). Também muitos adultos estão a seguir um caminho semelhante. Sem dúvida, isto está a mudar a forma como nos relacionamos uns com os outros, a forma como resolvemos os problemas do dia a dia, a forma como pensamos, a forma como vivemos!


A preeminência da imagem não pode ser separada de uma ideologia centrada no lucro como motor do desenvolvimento económico (apelando assim à venda de imagens com uma força frenética). A imagem capta: fascina. Por isso, é cada vez mais utilizada para "vender" mercadorias (tudo é mercadoria vendável) e para gerar formas de controlo social (mensagens político-ideológicas).


Não há dúvida de que o sistema capitalista sabe muito bem o que está a fazer. A sua principal preocupação, na qual coloca todos os seus esforços, é fazer com que nada mude. Para isso, tem as armas... e os media. Pode permitir-se mudanças cosméticas; gatopardismo, em suma: mudar algo dispensável para que nada mude na raiz. Nesse sentido, com vários séculos de acumulação - de riqueza e de sabedoria - sabe como continuar a ter sucesso e a resistir às revoluções e a todo o tipo de tentativas de transformação.

Caida-del-Muro-de-Berlin

Se o campo popular não sabe o que fazer neste momento pós-Muro de Berlim, não é porque seja estúpido (votar em candidatos de extrema-direita, neonazis, aplaudir posições antipopulares), é porque as manipulações ideológico-culturais foram feitas no liceu. Como é possível que as pessoas, as grandes massas populares, sempre subjugadas pelo sistema, não pensem em mudar o estado das coisas, mas em divertir-se a ver algo simples na televisão ("A televisão é muito instrutiva, porque cada vez que a ligam, eu vou para a sala ao lado ler um livro", dizia sarcasticamente Groucho Marx), ou nas redes sociais? Consegue fazer com que o jogo de futebol ou a telenovela da moda tenham mais importância do que os grandes problemas que nos preocupam.

A guerra ideológico-cultural é implacável; como disse Zbigniew Brzezinski: trata-se de manipular as massas descoordenadas, gerindo muito bem "as suas mentes e os seus corações". Por exemplo, um membro dos Contras nicaraguenses, quando lhe perguntaram por que razão se tinha juntado a essa força, respondeu: "Porque os piricuacos [sandinistas] vêm e dão-te uma injecção que te transforma num ateu e num comunista". É isto que é a guerra ideológica. Decididamente: eles sabem como o fazer. As igrejas neo-evangélicas que povoam toda a América Latina completam o trabalho.


Desde há cerca de quatro décadas, está em curso um processo de globalização económica, tecnológica, política e cultural que encurtou as distâncias e transformou todo o globo num mercado único. Esta sociedade global baseia-se cada vez mais na acumulação e no tratamento da informação e em novas tecnologias de comunicação, mais rápidas e mais eficazes. Estas novas tecnologias (que consistem na telefonia móvel celular, na utilização de computadores pessoais e na ligação à Internet) permitem aos utilizadores uma série de procedimentos que alteram o seu modo de vida de uma forma particularmente profunda, tendo assim um valor especial, pois permitem falar de um antes e de um depois do seu aparecimento na história. O mundo que se está a construir a partir da sua implementação implica uma mudança transcendental, cujas consequências já são visíveis, e que aumentarão exponencialmente num futuro para o qual não é possível especificar períodos cronológicos, mas que será seguramente muito próximo, dada a velocidade vertiginosa com que tudo isto está a acontecer.

post-pandemia

"O paradigma capitalista pós-pandémico emergente baseia-se numa digitalização e aplicação das tecnologias da chamada quarta revolução industrial. Esta nova vaga de desenvolvimento tecnológico é possibilitada por tecnologias de informação mais avançadas (...).


A economia global pós-pandémica envolverá uma aplicação rápida e expansiva da digitalização a todos os aspectos da sociedade global, incluindo a guerra e a repressão", comenta William Robinson. É inegável que estamos a viver um novo momento civilizacional, onde a capacidade de manipulação das grandes potências é quase infinita.


Nesta nova forma de comunicação que se impôs, deparamo-nos com o primado do superficial, do imediatismo banal, com notícias que não são notícias, mas sim fake news, tendo-se chegado a falar em pós-verdade - já não há um critério de veracidade, tudo pode ser um holograma, uma mentira bem embalada? É esta a lógica da apologia da imagem, sempre retocada, falsificada; há as redes sociais que permitem a distorção do que se vê, levada ao máximo com filtros e truques vários: um obeso pode parecer magro, uma idosa pode parecer uma jovem de 15 anos, etc. Será que já não podemos acreditar em nada? Estaremos a viver numa nuvem digital onde os poderes dominantes nos confundem, o feio parece bonito e as assimetrias socioeconómicas são apresentadas como inexoráveis e naturais? "Não há alternativa", gritava Margaret Thatcher. Existem os centros de rede, criadores de opinião pública com base em mentiras infames (lembrem-se do que disse Brzezinsky). As redes sociais, que parecem estar cada vez menos disponíveis, uma vez que cada vez mais pessoas vivem "ligadas", tornaram-se a nova bíblia social... criando mentira atrás de mentira, banalidade atrás de banalidade. Tudo está na rede e o santo Google - ou agora santo GPT - tornou-se a nova divindade. Mas é preciso não esquecer que uma grande parte da humanidade não tem acesso a estas tecnologias neste momento (muitos nem sequer têm acesso à electricidade). Populações "excedentárias" então? Pessoas que não consomem produtos tecnologicamente transformados, mas que "roubam oxigénio e água doce": devem ser eliminadas segundo a lógica do capital?


O campo popular não pode ficar calado perante isto, mas deve jogar ao mesmo nível, com uma contra-comunicação crítica utilizando meios técnicos semelhantes. A esfera da comunicação não pode servir apenas para mentir, é claro. Pode, e deve, servir para emancipar.

Fonte:

Autor: Marcelo Colussi

Marcelo Colussi, é um cientista político, professor universitário e investigador social. Nascido na Argentina, estudou psicologia e filosofia no seu país natal e vive actualmente na Guatemala. Escreve regularmente em meios de comunicação electrónicos alternativos. É autor de vários textos na área das ciências sociais e da literatura.

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